22 maio 2009

PASSOS DA CRUZ

Não sou eu quem descrevo.
Eu sou a tela
E oculta mão colora alguém em mim.
Pus a alma no nexo de perdê-la
E o meu princípio floresceu sem Fim.
Que importa o tédio que dentro em mim gela,
E o leve Outono, e as galas, e o marfim,
E a congruência da alma que se vela
Como os sonhados pálios de cetim?
Disperso...
E a hora como um leque fecha-se...
Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar...
O tédio? A mágoa? A vida? O sonho?
Deixa-se...
E, abrindo as asas sobre Renovar,
A erma sombra do vôo começado
Pestaneja no campo abandonado...

FERNANDO PESSOA

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